segunda-feira, 25 de junho de 2007

Meu samba nem por cem contos.

Segunda - feira, dia oficial da volta a algumas atividades rotineiras. Acordei cedo, segui todo o ritual de higiene matinal, em seguida fui pro quintal tirar da corda as roupas na Dona Aracy. Tamanco nos pés, ladeira a baixo com a trouxa na cabeça, tendinha do Seu Severino, criançada brincando com bolinha de gude, empinando pipa, pessoal saindo de casa a caminho do trabalho, e claro, malandro sempre corujando o movimento. Já no asfalto eu encontro com Belé. Ele é um crioulo metido a galã de rádio novela, que vive a fazer elogios dos meus atributos e de qualquer nêga que passa perto dele em qualquer lugar. Pode ser no samba, pode ser na rua, no beco, ladeira, pode até ser no bonde. Pra ele qualquer hora é hora de versar acompanhado pelo ritmo que surgia de um latão de manteiga. Acho que ele é a figura mais querida do morro, mais um vivente do mundo dos bambas, biritas, vadiagem e cabrochas. O Severino, dono da tendinha vivia a incentivar o talento do Belé, afirmando que seus sambas eram coisa fina, que não poderiam ficar confinados. Tinham que ganhar o asfalto!

Desconfiado como só ele, o Belé demorou, relutou e teimou muito com todos os outros crioulos do morro em oferecer seus sambas pra algum cantor do asfalto. Num desses dias a caminho do trabalho o crioulo versa pra mim com a sua lata na mão. Mas não era um verso alegre e assanhado como de costume, era um lamento. Senti que ele queria conversar, que gostaria de receber atenção de verdade. Não era dengo de neguinho esperto, ele naquele momento não queria a mesma e única atenção só recebida na tendinha, no butéco quando neguinho já alto de bebida, mandava ele versar em troca de umas e outras, um prato de picadinho e quando muito uns trocados. Larguei a trouxa no chão, e bem pertinho dele ouvi seu longo e triste desabafo: "Não dá pé Pretinha! Os bacana sobe aqui, vem com um papo de tapear neném pra comprar meu samba por um trocado qualquer. É tão pouco que o valor que me oferecem não paga nem o lenço branco que eles enxugam o suor do rosto. Todo mundo me chama de burro, por não vender meus sambas. Que não adianta serem bons se não dão dinheiro. Eles podem até me chamar de otário, mas pelo menos eu não fico como o resto da turma por aí e por aqui vende samba mermo sem pena, mas depois fica chorando no copo da branquinha por que não saiu seu nome no disco, não falam dele no rádio. Se for pra ser assim eu prefiro ficar por aqui versando pra você esperando uma chance de mexer no teu chamego. Mas francamente Binidita, eu quero que a minha gente saiba que fui eu que fez o samba que toca no rádio. Quero que sintam orgulho de mim, que sintam orgulho deles mesmos. Isso não é orgulho besta, isso é sentimento. Um negócio que é meu e não vendo por qualquer cem contos de réis".

Nunca pensei que ouviria aquelas palavras dele. Não falo isso por achar que ele não fosse inteligente, muito pelo contrário. A questão é que nunca escutei tanta verdade junta saindo de uma pessoa só. Belé é um tipo ideal, um malandro que nem parece ter vivido no Planeta Samba.
Ele continuou no morro soltando graça pras pretinhas, sapateando e tocando tamborim no carnaval, rindo e fazendo rir a rapazeada, encantando e em certos momentos, deixando o Severino da tendinha com seus poucos cabelos brancos em pé. Muitos reis da voz e seus empresários continuaram em busca de seus sambas cheios de um negócio que eles chamam de Picardia. Belé não mudou seu discurso. Pode até ser que tenha sido duro com ele mesmo, pode ser que ele tivesse entrado pra galeria dos baluartes do samba. Mas foi esse o caminho que ele escolheu. Sonho com a fama e dinheiro? Aquela coisa de nascer no morro e penetrar no seio da alta sociedade? Ora, pra que? Vocês querem sociedade mais alta do que a que vive no morro? Bem, se existir alguma me falem, pois eu não a conheço.

De tanto falar sobre vender ou não um samba, acabei lembrando da música:
Eu vendo um samba, cantada pelo Orlandivo. A gravação está no disco Samba- Flex.
Pra conhecer ou relembrar...
Ouça na Vitrola

2 comentários:

Black Sonora disse...

Opa... Orlann Divo e sua chave do sucesso, esse cabra é bom...

Kemla Baptista disse...

Aguardem que vocês terão muito mais do Divo por aqui...